O cinema como transformador social. Foi esse o ponto de partida que a produtora cultural Cecília Rabello, de 37 anos, adotou ao criar uma oficina de audiovisual na quadra da escola de samba Portela, na Zona Norte do Rio. Na primeira edição do projeto, durante três meses, 22 alunos de comunidades da região tiveram aulas gratuitas de cinema e produziram três curtas-metragens. Ao fim, muito mais do que diplomas: talentos descobertos e vidas modificadas.

— Por mais que tivéssemos boa vontade no início, eu jamais imaginei que o meu ganho pessoal fosse infinitamente maior do que o proporcionado a esse grupo. Aprendi a confiar mais na vida, a ter fé, perseverança. Ver os alunos chegando com força de vontade para fazer acontecer não tem preço — diz a produtora cultural.

Alunos que produziram três curtas-metragens em três meses Foto: Emily Almeida / Agência O Globo

A oficina “Por telas” teve aulas de roteiro, direção, produção, fotografia, som, montagem, direção de arte e de direitos autorais com profissionais do mercado. Em um primeiro momento, cada aluno escreveu um roteiro e, por votação, três foram selecionados para virar curtas. Para o aluno Ygor Lioi, de 28 anos, morador de comunidade de Marechal Hermes, gratidão é a palavra que melhor define a experiência vivida no curso:

— O processo foi muito gratificante, contar a história do meu avô, que foi jogador de futebol e tem Alzheimer, ter ele aqui no dia do lançamento, fazer com que ele fosse aplaudido por centenas de pessoas, coisa que não acontecia há décadas… — lembra, emocionado, o diretor de “Um craque esquecido”, uma homenagem ao jogador de futebol Paulinho, conhecido como o Ladrão de Bola e avô de Ygor.

O projeto começou a ganhar vida em abril, mês de comemoração dos 95 anos da Portela. Cecília, que é filha do músico Paulinho da Viola, destaca que sempre teve, em seus projetos, o lado social como objetivo maior. Agora, ela já planeja a segunda turma e expandir a parceria com outras escolas de samba do Rio:

— A Portela já deu o aval. A ideia é respeitar o calendário do carnaval, com uma segunda turma em março.

Pluralidade em sala

Para ministrar as aulas, Cecília Rabello convidou o amigo e cineasta André da Costa Pinto, de 30 anos. Para ele, ter alunos de diferentes formações e idades é o mais interessante.

— O mais bacana é a pluralidade dentro do processo, que possibilita conhecer várias visões de mundo. Olha o meu caso: nordestino, dentro de uma escola de samba, em uma comunidade do Rio.

André destaca a importância de os alunos mostrarem nas telas, histórias que representem a verdade de cada um.

— Esses alunos me conquistaram de uma forma muito especial. Quando eles mostram a própria realidade, observamos a verdade desses trabalhos. Eu tenho certeza que a minha vida mudou muito mais do que a deles. Esse é o grande mérito de ensinar: crescer junto para replicar o conhecimento. A gente deve ensinar sempre com amor — assinala.

Três produções

Além de lembrar a história do ex-jogador Paulinho em um dos curtas-metrangens, os alunos produziram “Do samba ao sample: entre duas culturas”, de Ruan Lucena, sobre o sambista Paulo da Portela; e também o curta “Procuram-se mulheres”, de Rozzi Brasil, abordando a invisibilidade da mulher no mundo do samba.

Exibição em festival

O filme “Um craque esquecido”, de autoria de Ygor Lioi, participa da nona edição do Cinefoot, o único festival de cinema do Brasil e da América Latina apenas dedicado à exibição de filmes sobre o futebol.

Inscrições em 2019

Quem quiser participar da próxima edição do curso deve procurar a Portela a partir do início de 2019. A organização da oficina vai lançar, em março, um edital com todas as orientações. O endereço da quadra da escola de samba é Rua Clara Nunes 81, Oswaldo Cruz.

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