Portela

Carnaval

O Grêmio Recreativo Escola de Samba Portela foi fundado em 11 de abril de 1923 no bairro de Oswaldo Cruz, zona norte da cidade do Rio de Janeiro. Sendo a mais antiga escola de samba em atividade permanente, é a única escola que participou de todos os desfiles de escolas de samba da cidade.

O G.R.E.S. Portela foi a campeã do primeiro concurso de escolas de samba (não oficial) em 1929, organizado por Zé Espinguela. Desde então, foi a grande responsável por moldar os desfiles na forma como acontecem atualmente, 22 campeonatos e uma grandiosa contribuição para o samba carioca e para a cultura brasileira.

A SEMENTE

Criada em 1644, a antiga freguesia de Irajá se estendia por uma vasta região ocupada por fazendas que eram o celeiro da colônia e posteriormente da corte. Esta imensa área, ao longo dos séculos XVIII e XIX, chegou a ter 13 engenhos de açúcar produtivos e importantes economicamente.

Entre eles, talvez o mais próspero, merece destaque o engenho do Portela, cujos escravos, no labor do dia-a-dia, contribuiriam para engrandecer a região que se estendia da fazenda do Campinho até o Rio das Pedras, e que mais tarde herdaria o nome do boiadeiro e mercador mais famoso da localidade: Lourenço Madureira.

Em fins do século XIX e início do século XX, a economia da região, amparada principalmente na força do trabalho escravo, entra em uma inevitável crise. Os antigos latifúndios são aos poucos repartidos por pessoas pobres que fugiam das reformas urbanas que ocorriam no centro da capital da jovem República Brasileira. O trem, chegado em 1890, trazia diariamente um grande contingente de pessoas desprovidas de qualquer bem material para os já conhecidos subúrbios. Especialmente, merece destaque para nós a brava população que, enfrentando todos os tipos de dificuldades, ocupou a região próxima ao Rio das Pedras através da antiga estação de Dona Clara. Mais tarde, a ainda jovem localidade, que herdou o nome do Rio vizinho, receberia o definitivo nome de Oswaldo Cruz, em homenagem ao famoso sanitarista falecido em 1917.

Desta forma, fugidos e perseguidos, como infelizmente é hábito em nossa história, os negros trouxeram sua música, sua dança, sua religião e sua inigualável forma de enfrentar a dor através da arte para a “roça”. Foram estes negros, muitos deles vindos de outras partes do Brasil, sobretudo de Minas Gerais e do antigo Estado do Rio, que plantaram a semente da batucada nas festas da região. O cavalo torna-se o principal meio de transporte. Imensos valões dificultavam a passagem dos moradores. Não havia água, luz ou qualquer tipo de conforto já comum nos bairros mais abonados da cidade. O antigo engenho cedeu espaço e nome para a principal via da região: a estrada do Portela.

Contudo, se o cenário encontrado no novo bairro era hostil, hostilidades maiores aqueles negros – ex-escravos e seus filhos – já tinham enfrentado em suas vidas de dor e sofrimento. Se a senzala e o banzo eram enfrentados com canto e dança, formas de manter vivas as tradições herdadas de seus ancestrais na mãe África, as dificuldades no novo ambiente não receberiam tratamento diferente. A humilhação e o aviltamento que os negros excluídos e esquecidos pela sociedade racista e desumana sentiam eram combatidos em forma de arte, música e expressões de uma cultura que insistia em se auto-afirmar apesar de tudo. Assim, como num passe de mágica, surgem as belas poesias dos primeiros sambistas de Oswaldo Cruz.

Os primeiros portelenses foram verdadeiros alquimistas. Magos capazes de transformar dor em arte, e sofrimento em notas musicais. A dificuldade, em suma, foi a matéria-prima das primeiras composições da Portela.

Como é característico de toda comunidade carente, o corpo social amenizava as dificuldades e compensava a falta de opção de lazer no bairro. Oswaldo Cruz torna-se um lugar onde as relações humanas são sinceras. Onde a amizade de fato existia. Quase uma imensa família, pois os muitos problemas quotidianos eram por todos compartilhados.

Esta integração foi fundamental para a história da Portela, pois possibilitou uma vida social marcada por festas religiosas, batucadas e jongo, manifestação cultural herdada dos antepassados escravos. O jongo, como expressão tipicamente rural, encontrou na região de Madureira e Oswaldo Cruz, afastadas do centro da cidade, um campo fértil para a preservação quase intacta de sua forma mais pura e original.

Segundo Antônio Caetano, o primeiro bloco surgido em Oswaldo Cruz foi fundado por Paulo da Portela e se chamava “Ouro sobre azul”. Não era um bloco de samba, e sim de marcha-rancho. O samba só chega a Oswaldo Cruz através das festas religiosas na casa de “seu” Napoleão José do Nascimento, pai do lendário Natal, que contava com a presença de Dona Benedita, velha senhora que vinha do Estácio acompanhada de Brancura, Baiaco, Ismael Silva e outros bambas que estavam desenvolvendo este ritmo no morro de São Carlos. Através deste intercâmbio, o samba chega finalmente à “roça”. Assim, não demorou muito para Oswaldo Cruz se tornar um dos mais importantes redutos do novo ritmo carioca.

Muito importante também para a história do que viria a ser a Portela foi a vinda de D. Esther para o bairro. Festeira e já acostumada a brincar o Carnaval, a casa desta senhora logo se tornaria o centro da vida social do bairro. Pelo quintal de D. Esther passaram alguns dos maiores nomes da nossa música: Donga, Pixinguinha, Roberto Silva. Outros, como Candeia, tiveram os primeiros contatos com o ritmo que os tornariam famosos nas animadas reuniões da rua Adelaide Badajós.

Segundo o próprio Candeia, em seu livro “Escola de samba, a árvore que esqueceu a raiz”, a figura de Dona Esther sempre esteve cercada de admiração e mistério. Muitos acreditavam que esta senhora era dotada de poderes mágicos.

Verdade ou não, o importante é que dona Esther fundou um bloco muito famoso na região: o “Quem fala de nós come mosca”, um dos principais embriões da Portela.

OS PRIMEIROS ANOS

Em 1923, tentando rivalizar com o grupo de Dona Esther, alguns jovens, sob a liderança de Galdino, resolveram fundar outro bloco na região, o “Baianinhas de Oswaldo Cruz”, que não demoraria muito a se dissolver devido a uma briga interna. Após o desentendimento, parte dos integrantes do “Baianinhas de Oswaldo Cruz” funda outra agremiação carnavalesca, o “Conjunto Carnavalesco de Oswaldo Cruz”, que tinha como líderes Paulo Benjamim de Oliveira (o Paulo da Portela), Antônio Caetano e Antônio Rufino, três homens que se completavam em suas múltiplas funções.

Segundo Amaury Jório e Hiram Araújo, em “Escola de samba: vida, paixão e sorte”, os sambistas que fundaram a Deixa Falar – considerada por unanimidade, inclusive pelo pessoal da Portela, a primeira escola de samba do Brasil – queriam organizar um bloco pacífico, sem brigas ou arruaças como era característica dos blocos de então. Assim sendo, inspiraram-se no bloco formado pelo pessoal do “Oswaldo Cruz”, que brincava o carnaval com paz e alegria, tendo em Paulo uma liderança incontestável. Por meio disso, podemos concluir que a Portela não foi a primeira escola de samba, foi mais do que isso; serviu de fonte de inspiração para a primeira escola, exemplo para a Deixa Falar, que faria escola inclusive na própria Portela.

No final da década de 20, o grupo receberia um grande reforço de fora: Heitor dos Prazeres, amigo do presidente Paulo Benjamim de Oliveira. Com um samba do próprio Heitor, o “Conjunto Carnavalesco de Oswaldo Cruz” se sagraria vencedor da primeira disputa entre os principais redutos de samba, ocorrida em 20 de janeiro de 1929. Estiveram presentes sambistas de Oswaldo Cruz, Mangueira e Estácio.

A vitória trouxe, além de uma grande felicidade, muitos problemas para o conjunto carnavalesco. Heitor dos Prazeres, um “estrangeiro”, ganhou mais prestígio dentro do grupo. Tanto que por sugestão sua o bloco passou a se chamar “Quem nos faz é o capricho” e ganhou sua primeira bandeira, também idealizada por Heitor, já para o carnaval de 1929. Todas as modificações de Heitor tiveram total consentimento de Paulo, uma vez que, devido a sua crescente fama no centro da cidade, Heitor dos Prazeres ajudava a divulgar o nome da escola.

Em 1930, já com Heitor dos Prazeres afastado devido a um desentendimento com Manuel Bam-Bam-Bam e Antônio Rufino, o grupo desfilou pelas ruas do subúrbio e da Praça XI. Em 1931, a escola superou uma série de dificuldades para poder desfilar. Isto fez com que os sambistas da estrada do Portela mudassem o nome do bloco para “Vai Como Pode”. Com esse nome, a futura Portela começou a aparecer nos poucos jornais que cobriam os primeiros desfiles de escolas de samba, fato este que faz com que, de todos os nomes anteriores da Portela, esse seja o mais lembrado.

Também em 1931, Antônio Caetano desenharia a primeira bandeira da escola. Segundo depoimento para as autoras Lygia Santos e Marília T. Barboza da Silva, em “Paulo da Portela: traço de união entre duas culturas”, Caetano, desenhista da Marinha, declarou ter pensado no sol nascente e no valente povo da ilha japonesa. Instituiu as cores azul e branco em homenagem ao manto de Nossa Senhora da Conceição, padroeira da escola desde a fundação, e como símbolo a Águia, por ser a ave que voa mais alto. Para Candeia, Caetano teria desenhado na verdade um Condor, ciente de ser esta na verdade a ave que alça vôos mais altos na natureza. Provavelmente, todos interpretaram o símbolo como uma águia, fazendo com que Caetano não tivesse outra saída senão a de concordar com que a Águia “assumisse o posto” de símbolo máximo do grupo. Surgia assim o símbolo mais importante e aguardado do carnaval carioca.

Antônio Caetano também entraria para a história como o primeiro carnavalesco do Carnaval carioca. Foram de sua autoria os primeiros enredos que a Portela levou para o desfile. De suas mãos surgiu a primeira alegoria de uma escola de samba: um rústico globo terrestre no enredo “O samba dominando o mundo”, na grande vitória da ainda “Vai Como Pode” no desfile que entrou para a história como o primeiro desfile oficial, em 1935. Ainda nesse ano, os sambistas de Oswaldo Cruz enfrentaram um impasse na hora de renovar a licença para os desfiles. O delegado Dulcídio Gonçalves não gostava do nome “Vai Como Pode” e só renovaria a licença se o nome fosse trocado. Após uma longa discussão entre Paulo da Portela e seus amigos, o próprio delegado sugeriu o nome que atravessaria fronteiras e entraria definitivamente para a história da arte e da cultura do Brasil: GRÊMIO RECREATIVO ESCOLA DE SAMBA PORTELA, em uma homenagem à rua onde ficava a sede do grupo.

Entre as contribuições da Portela para o carnaval carioca neste período, além da primeira alegoria, merecem destaque a caixa-surda, o reco-reco, a comissão de frente uniformizada, a corda para separar os desfilantes da platéia, o destaque e até o apito da bateria. Segundo muitos estudiosos, o primeiro samba-enredo foi “Teste ao samba”, de autoria de Paulo da Portela, que fez o papel de professor distribuindo diploma aos componentes da escola fantasiados de alunos, em frente à comissão julgadora. Um espetáculo que empolgou a Praça XI e está seguramente entre os maiores desfiles de todos os tempos.

A ÉPOCA DOS GRANDES ESPETÁCULOS

Os anos 70 começam com o título de 1970, “Lendas e mistérios da Amazônia”. Carlinhos Maracanã assume a presidência da escola, que adquire em 1972 sua nova quadra, o “Portelão”, finalmente um local de ensaios imponente e digno da tradição portelense. Em 1974, brigas internas resultaram no afastamento de muitos compositores importantes da escola, como Zé Ketti, por exemplo.

Em 1975, mesmo ano do falecimento de Natal, novas divergências provocaram o afastamento de componentes como Candeia e Paulinho da Viola. Três anos mais tarde, o próprio Candeia viria a falecer.

Em 1980, a Portela sagra-se campeã com o enredo “Hoje tem marmelada”. Em 1984, estréia do sambódromo e primeiro ano dos desfiles em dois dias, a Portela vence o desfile de domingo com o enredo “Contos de areia”, uma justa homenagem a Natal, Paulo da Portela e à recém-falecida cantora Clara Nunes, figura certa e muito querida nos desfiles da gloriosa azul-e-branco. Em 1985, mais um desentendimento interno motivou o surgimento da Tradição, fruto de uma dissidência liderada por Nésio Nascimento, filho de Natal. Mesmo com todas as dificuldades, a escola resistiu e encantou o público com o lírico “Adelaide, a Pomba da Paz”, em 1987.

Nos anos 90, a Portela realizou três grandes desfiles embalados por sambas premiados com o Estandarte de Ouro: 1991, “Tributo à vaidade”; 1998, “Os Olhos da Noite”; e, principalmente, 1995, “Gosto que me Enrosco”, um desfile fantástico que recebeu todos os prêmios e foi unânime entre os críticos. Neste ano, a Portela foi a vice-campeã, perdendo o campeonato para a Imperatriz Leopoldinense por apenas 0,5 pontos, numa apuração que, até hoje, carece de maiores esclarecimentos: meio ponto em evolução impediram que o título voltasse para a turma de Oswaldo Cruz. Em 1993, a escola desfilou pela última vez com sua comissão de frente tradicional. A partir de então, um dos momentos mais emocionantes das antigas escolas de samba entraria exclusivamente para a história do carnaval.

11 de abril, 1923, Oswaldo Cruz, Zona Norte do Rio de Janeiro
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